sábado, 21 de junho de 2008

A PAPISA JOANA

“Entre os anos 855 e 857, a Santa Igreja Católica Apostólica e Romana foi dirigida por um papa-mulher, ou Papisa: Joana L’Anglois, de ascendência inglesa, nascida em 1817 em Mentz, na Alemanha. Ela chegou ao papado, segundo alguns historiadores (entre os quais figuram Martim Polomo (1278), Sigisberto Gemblacense e Jean de Mailly), por artes do diabo. Disfarçando-se de homem, dirigiu-se a Atenas, quando jovem, em companhia de um amante (o culto Frumêncio) e tantos progressos fez nos estudos, sob a orientação dos mestres gregos, que, chegando a Roma, poucos encontrou que fossem capazes der rivalizar com ela, até mesmo no conhecimento das Sagradas Escrituras. Segundo Martim, ela conquistou tão grande respeito e autoridade, pelas suas doutas e engenhosas conferências e discussões, que foi eleita Papa por unanimidade, após a morte de Leão IV.
“Tendo governado durante dois anos, um mês e quatro dias, certa ocasião, enquanto se dirigia para a Igreja de Latrão, entre o Coliseu de Roma e a Igreja de São Clemente, foi surpreendida por trabalhos de parto e ali mesmo morreu. Foi sepultada no Tibre, sem pompa nenhuma. A partir do seu pontificado a Igreja Romana entraria numa fase de declínio espiritual, quando o comando do Vaticano ficou à mercê dos caprichos das matronas e das meretrizes palacianas, que nomeavam e demitiam papas – na maioria seus amantes e cortesãos - transformando a residência dos pontífices em um covil de ladrões”.
“Com o último suspiro do Papa Leão IV (847-855), o único filho gerado por ele, ou melhor, o sobrinho (pois em Roma os filhos dos papas se chamavam sobrinhos, sobretudo quando os papas eram tidos como santos), chamado Floro, fora entregue pelo próprio pontífice aos cuidados da hoje conhecida como “papisa Joana”, tida, ainda, como João VIII. Floro tinha vinte anos, era louro e totalmente dedicado ao papa, que o elevou à dignidade de camarista privado, posição cobiçadíssima naqueles dias.
Eis que a Papisa Joana apaixona-se pelo jovem Floro – Continua ainda Durrell: “Floro dormia no quarto contíguo à câmara apostólica, para poder acudir sem perda de tempo à presença do papa ao primeiro sinal da sineta de prata, instalada à cabeceira da cama pontifícia. Joana estava acostumada, como os antigos atenienses, a pôr instantaneamente em prática as suas decisões. Mas agora se via um tanto quanto perplexa. Precisava de um pretexto que lhe permitisse, a ela, o Papa, estender mais do que o pé aos beijos do jovem inocente. Muitas e muitas vezes à meia-noite, saltando da cama, ia, pé ante pé, ao quarto em que dormia o escolhido sucessor de Frumêncio. E quedava-se horas e horas a contemplá-lo, escurecendo a lâmpada com as mãos, como Selene cobrira, de uma feita, os seus raios com nuvens, ao visitar o pastor lâmico... certa noite, porém, reuniu coragem bastante para tocar-lhe a testa dormente com os lábios; mas fugiu, aterrada, quando lhe viu tremerem as pálpebras. No dia seguinte, o bom Floro anunciou aos amigos que uma visão noturna, de camisola, o visitara enquanto dormia. Mas tão comuns eram as visões, os fantasmas e os sonhos naquele tempo, que a maioria dos ouvintes não manifestou surpresa alguma; muitos até bocejavam em seu nariz. Não obstante, Floro estava certo de que a aparição era algo inteiramente insólito e, na noite seguinte, ficou tremendo na cama, incapaz de dormir. Tudo estava em silêncio na residência papal, com exceção dos mochos e dos relógios, quando os seus ouvidos perceberam um leve roçagar, como o vôo de algum pássaro noturno, ou o movimento de alguma moça que corria para a primeira entrevista , receosa de que pudessem ouvir-lhes os passos. Abriu-se a porta suavemente, como que por obra da brisa e, mais una vez, a aparição se avizinhou da cama, caminhando na ponta dos pés. Floro sentiu o suor molhar-lhe a camisola, um suor tão frio quanto às águas do Estige. (Refiro-me, naturalmente, ao rio da Arcádia e não ao rio infernal, cujas águas eram quentes).
“A escuridão aumentou-lhe o terror. A visão parecia ter luz própria e, como um fantasma, não trazia lanterna na mão. Ele só conseguiu entrever vagamente as formas à luz do lume esfumaçado, mas teve a impressão de que era uma nuvem branca e baixa, que se abeirava da cama. Afinal, lá se quedou, ao pé do leito, nuvem fantasma, vampiro, Joana. Animada pela absoluta imobilidade do rapaz entorpecido, principiou, muito suavemente, a mordiscar com os lábios a pele tenra do fruto proibido. Mas não se atreveu a mordê-lo. O contato quente dissipou, de pronto, o frio medo que se instalara no sangue do jovem; ao tornar em si, estendeu o braço para agarrar o fantasma, que ainda assim logrou desvencilhar-se e escapar. Deixou-lhe nas mãos uma camisa rasgada e alguns fios amarelos de cabelo. A essa altura, já não satisfaziam a Floro tais despojos. Tinha o sangue espicaçado, bem como a curiosidade”.
“Saiu ao encalço da aparição que correu, célere, para o quarto de dormir, onde se pôs a descrever círculos, até que, por fim, prendendo o pé numa dobra do próprio vestido, caiu estatelada no chão, diante da janela aberta. Floro estendeu os braços. Mas em lugar de encontrar ossos, larvas, corrupção, ou qualquer outro atributo clássico do vampirismo, suas mãos esbarraram numa pele suave e quente, que cobria um coração vivo e pulsante. Nisso, a lua saiu detrás das nuvens e brilhou em cheio sobre o rosto e os seios nus do Sereníssimo e Santo Pontífice João VIII – ou melhor, Joana L’Anglois”.

“Sendo esta uma narrativa puramente baseada em fatos históricos, obrigamo-nos a confessar que as coisas correram tão bem para Joana e Floro, após as necessárias confissões e explicações, que as faces da Virgem, que eles tinham esquecido de cobrir, provavelmente ficaram escarlates de vergonha... As de São Pedro com certeza ficaram verdes de raiva. E o ícone do Crucificado caiu ao chão e espatifou-se – ao passo que o anjo da guarda do Papa João VIII, que na sua bem-aventurança ignorava ser o guarda das chaves do Céu uma mulher, voou para o alto com indignadas batidas de asas”.
“Na manhã seguinte à noite tríplice, a Papisa Joana, ou o Papa João VIII, surgiu diante dos cortesões e as suas mãos atribuíram bênçãos e favores a quantos a (o) rodeavam. A exuberância papal foi imediatamente absorvida pelos rostos dos cortesãos, que ergueram as cabeças melancólicas mais uma vez, como o faz o trigo quando a chuva interrompe uma longa estiagem. O chefe de toda a cristandade, só naquele dia, distribuiu quatro bispados, ordenou dezesseis diáconos, acrescentou dois Santos ao calendário, comutou a pena de cinco condenados à forca e salvou vinte hereges da fogueira. E ainda lamentou não possuir as cem mãos de Briaréu para centuplicar as suas caridades”.
Mais tarde, Joana dirigiu-se à Igreja, a fim de receber os embaixadores do príncipe Ansegiso, que pleiteava sua ajuda contra os sarracenos. Concedeu-lha incontinenti. E enquanto executava todos esses atos, os seus olhos procuravam inconscientemente os de Floro, ao passo que seu espírito voejava em torno de sua cabeça, como abelha ao redor de uma flor. Surpreendeu-se a repetir, como rei-profeta: “Quem me dá asas para voar entre as pombas, quem me enseja o descanso?” (Sl 55.6).
“Durante dois meses ela continuou a vagar como um cisne sobre um rio de prazer inextinguível, adorada pelo jovem amante. Passados alguns meses, já estando grávida do mancebo camarista, foi instada por alguns cardeais da alta cúria a participar de uma procissão de São Pedro para o Lateran (Laterão ou Latrão). Teve que ser amparada por seus auxiliares – os quais ficaram chocados ao verem, subitamente, a Papisa contorcendo-se de dor pelo chão, sob o peso da vestimenta papal (que lhe ocultava a enorme barriga)”.
“Um dos diáconos, ao levantar as dobras da indumentária pontifícia, desejando aliviar um pouco a respiração do Papa João, quase também passa mal, ao presenciá-lo expelindo o rebento adulterino por entre as vestes, supostamente sagradas. Todos se deram conta, então, de que João VIII era na verdade uma mulher disfarçada de homem – à exceção do camarista Floro, seu secreto amor, que já a houvera descoberto”.
“Refeita do susto, a cúria romana decretou que a sacrílega mulher fosse atirada às águas do rio Tibre, juntamente com o seu rebento. E assim feito, Floro, o amante, fez-se ermitão; e os piedosos peregrinos, a fim de não contaminarem as sandálias pisando nas pegadas da imunda mulher-Papa, passaram a utilizar a partir deste incidente, outros caminhos para chegar ao Latrão”.

Extraído do livro “30 Papas Que Envergonharam a Humanidade”, de Jeovah Mendes)

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