sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Os Aguilhões na Vida de Paulo

A conversão de Saulo na estrada de Damasco é a conversão mais famosa da história da igreja. Nenhum homem exerceu tanta influência no cristianismo, nenhum homem foi tão notório na história da humanidade como Paulo. Após sua experiência marcante na estrada para Damasco, Paulo se tornou o maior evangelista, o maior missionário, o maior teólogo e o maior plantador de igrejas da história do cristianismo.



Lucas, fica tão impressionado com a importância dessa conversão, que a relata três vezes, uma vez, em sua própria narrativa, e duas nos discursos de Paulo (At 9, 22, 26).


Se perguntarmos o que causou a conversão de Saulo, só existe uma resposta possível. O que sobressai na narrativa é a graça soberana de Deus através de Jesus Cristo. Saulo não se “decidiu por Cristo”, como poderíamos dizer. Pelo contrário, ele estava perseguindo a Cristo. É melhor dizer que Cristo se decidiu por ele e interveio em sua vida.

Devemos nos lembrar que Lucas menciona Saulo como um feroz adversário de Cristo e sua igreja. Ele nos conta que, no martírio de Estevão, “as testemunhas deixaram suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo” (At 7.58), depois diz que “Saulo consentia na sua morte” (At 8.1) e que, em seguida, “Saulo assolava a igreja” (At 8.3), procurando cristãos casa por casa, arrastando homens e mulheres para a prisão. No texto de Atos 9.1, Lucas resume a história dizendo que Saulo estava “respirando ainda ameaças de morte contra os discípulos do Senhor”.

Quando atentamos para a riqueza e a profundidade das línguas originais ficamos perplexos, pois os termos que Lucas usa para se referir a Saulo antes da sua conversão parecem ser deliberadamente escolhidos para retratá-lo como “um animal selvagem e feroz”. O verbo “lymainomai”, cuja única ocorrência no N.T se encontra em Atos 8.3, em referência à “destruição” que Saulo causou à igreja, é empregado no Salmo 80.13 [na Septuaginta], em relação a animais selvagens destruindo uma vinha; o seu sentido específico é “destruição de um corpo por um animal selvagem”.

Mais tarde, os cristãos de Damasco o descreveram como aquele que tinha causado um “extermínio em Jerusalém” (At 9.21), onde o verbo empregado é “portheo”, que significa “destruir, assolar, espancar” que também aparece no texto de Gl 1.13. Continuando a mesma imagem, o erudito J.A. Alexander sugere que a menção de Saulo “respirando ameaças e morte” (At 9.1) era uma “alusão ao arfar e ao bufar dos animais selvagens”. Portanto era esse o homem (mais animal selvagem do que ser humano) que em poucos dias seria um cristão convertido e batizado.

No inicio eu disse que a resposta à conversão de Saulo foi a maravilhosa graça de Deus. Paulo sempre mencionou que Deus tomou a iniciativa de salvá-lo conforme sua vontade soberana (Gl 1.15,16). E além disso Paulo ilustrou essa verdade com pelo menos três imagens dramáticas.

Em primeiro lugar, Cristo o conquistou (Fp 3.12), o verbo “katalambano” dando a idéia que Cristo o “capturou” antes que tivesse a oportunidade de capturar algum cristão em Damasco.

Em segundo lugar, ele comparou sua iluminação interior com a ordem criadora “Haja luz” (Gn 1.3) ou “das trevas resplandecerá a luz” (II Co 4.6).

Em terceiro lugar, ele escreveu que a graça de Deus “transbordou” sobre ele, como um rio em época de cheia, inundando seu coração com fé e amor (I Tm 1.14). Assim a graça de Deus o capturou, iluminou seu coração e o inundou como uma enchente.


Agora devemos atentar para um fato importante – a conversão de Saulo não foi de maneira nenhuma uma conversão repentina. A intervenção de Deus foi repentina: “Subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor” (vs. 3). De acordo com a própria narrativa de Paulo, Jesus lhe disse: “Dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões” (At 26.14). Jesus comparou Saulo a um touro jovem, forte e obstinado, e a si mesmo [Deus] a um fazendeiro que usa aguilhões para domá-lo. Agora surge a pergunta: “Quais eram esses aguilhões, contra os quais Saulo estava lutando”?

1) Um aguilhão eram as suas dúvidas. Saulo havia sido educado em Jerusalém aos pés de Gamaliel, provavelmente o professor mais celebrado do primeiro século da era cristã. Assim, teologicamente, Saulo tinha um excelente conhecimento do judaísmo e, moralmente, era zeloso da lei de Deus. De sã consciência, ele estava convencido que Jesus de Nazaré, não era o Messias. Para ele, era inconcebível que o Messias judeu pudesse ser rejeitado por seu próprio povo e então morrer, sob a maldição de Deus, uma vez que estava escrito na lei: “ qualquer que for pendurado no madeiro, está debaixo da maldição de Deus”(Dt 21.23). Não, não. Jesus deve ser um impostor.

Desse modo, ele começa a se opor a Jesus de Nazaré e a perseguir os cristãos. Essa era a sua convicção. No entanto, inconscientemente sua mente estava repleta de dúvidas, por causa dos rumores que circulavam acerca de Jesus: a beleza e a autoridade do seu ensino, a humildade e a mansidão de seu caráter, seus feitos poderosos de cura, e em especial, o rumor persistente que sua morte não havia sido o fim, pois algumas pessoas diziam que o haviam visto e tocado, e conversado com Ele após sua ressurreição. A mente de Saulo estava em desordem.

2) Outro aguilhão foi Estevão. Este fato “atormentava” sua mente. Saulo estava presente no julgamento e execução de Estevão. Ele havia visto com seus próprios olhos o rosto resplandecente de Estevão, como o de um anjo (At 6.15), e sua corajosa não-resistência enquanto era apedrejado até a morte (At 7.58-60). Ele havia ouvido, com seus próprios ouvidos, a defesa eloqüente de Estevão diante do Sinédrio, sua oração pedindo perdão aos executores, e sua afirmação extraordinária sobre a visão de Jesus como Filho do homem, em pé à destra de Deus (At 7.56). Portanto, Saulo não podia esquecer o testemunho de Estevão. Havia algo inexplicável naqueles cristãos, algo sobrenatural.


Se a conversão de Paulo não foi repentina, também não foi compulsiva. Cristo falou com ele em vez de esmagá-lo. Cristo o jogou ao chão, mas não violentou sua personalidade. Sua conversão não foi um transe hipnótico. Jesus apelou para sua razão e para o seu entendimento. Pelo contrário, Jesus lhe fez uma pergunta penetrante: “Saulo, Saulo, por que me persegues”? Saulo respondeu: “Quem és tu, Senhor”? Jesus respondeu: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues”. Jesus ordenou: “Mas levanta-te” e Paulo prontamente obedeceu. A resposta e a obediência de Saulo foram racionais, conscientes e livres.

Portanto, esta maravilhosa graça não anula a responsabilidade humana. Jesus “picou” a mente e a consciência de Saulo com seus aguilhões. Então se revelou através da luz e da voz, não para esmagá-lo, mas salvá-lo. A graça divina não atropela a personalidade humana. Ela não aprisiona. É o pecado que prende. A graça liberta. Amém!

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