terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os decretos eternos de Deus e a doutrina da eleição

Não seria presunçoso pensar que o homem pode discutir os Decretos Eternos de Deus? Assim, não seria a tentativa de formular uma doutrina da Predestinação algo a ser condenado sem hesitação, mesmo tê-la iniciado?

A própria história da doutrina da Predestinação ensina-nos que com a questão dos Decretos Divinos adentramos a zona de perigo, na qual a fé pode sofrer severos danos e onde o pensamento teológico facilmente pode se perder no erro desastroso. Contudo, a tentativa não pode ser renunciada, não porque o testemunho da revelação nas Escrituras chama nossa atenção para isto, convida-nos à consideração teológica.

Quando Deus se revela, revela a eternidade: A Origem eterna e o Fim eterno, aquilo que “era” antes de toda história, e aquilo que será por trás, ou depois, de toda história, esta dupla eternidade, entre a qual se apóia nossa existência histórica terrena como uma ponte suspensa entre dois pilares, sustentada por elas como um balanço no ar sobre o abismo do Nada.

Jesus Cristo veio a fim de revelar esta eternidade, e para integrar nossa vida na dimensão desta dupla eternidade, para que nossa vida não se perdesse do nada. À parte deste fundamento na eternidade e deste alvo na eternidade, toda história da humanidade é um mero nada. Sem este firme fundamento em nossa Origem eterna, e sem o firme alvo na eternidade no fim dos tempos, o homem literalmente vive “por um dia”. Sua vida termina sobre a superfície do finito.

Não é apenas a fé cristã que coloca a vida humana – e a vida como um todo – na dimensão da eternidade. Isto também ocorre nas religiões não-cristãs. Mesmo a filosofia de Platão ensina que o homem busca e encontra sentido na eternidade. Onde a eternidade é concebida a partir do limite humano, não há evento decisivo, nem evento algum que nos une à eternidade, há meramente idéias que concebem o infinito, a verdade eterna, e em assim fazendo coloca em contraste o Infinito e o Eterno, como verdadeiro Ser, com aquilo que é simplesmente temporal e transitório. Eventos temporais com a qualidade de um “tempo de decisão” só existem onde a própria eternidade entrou no tempo, onde o Logos que se fez Homem se perde no temporal, sua origem e seu fim eterno, e faz disto o objetivo de sua decisão de fé. Só através desta revelação da eternidade nossa própria história adquire uma participação na eternidade.

Na revelação cristã da eternidade, porém, meus olhos estão abertos para perceber a verdade que Deus, Meu Senhor, me observa desde toda a eternidade, com olhar fixo do amor eterno, e, portanto, essa minha existência e vida pessoal individual agora recebem um sentido eterno. O chamado a mim dirigido por meio de Jesus Cristo desde a eternidade de Deus para a comunhão eterna com Ele – este é o Evangelho de Jesus Cristo. Como, então, não podemos não ver que esta mensagem da eleição é a mesma tal como as boas novas de “filiação” e do Reino de Deus?

Quão terrível e paralisante é todo discurso sobre Predestinação, sobre um decreto de Deus, pelo qual tudo que está para acontecer já foi estabelecido desde toda a eternidade.

Se tudo está predestinado pelo decreto Divino, como poderia qualquer corte de apelação ser responsável por este acontecimento senão Aquele que a tivesse predeterminado. Se tudo está predeterminado, o mal bem como o bem, a impiedade bem como a fé, o inferno bem como o céu, “ser perdido” bem como “ser salvo”, se é predeterminado, pelos decretos eternos de Deus, que não apenas o destino temporal, mas também o eterno, dos homens está determinado desigualmente, de maneira que alguns desde a eternidade, estão destinados à morte eterna e outros a vida eterna – é possível chamar o One que promulgou este decretum horrible de Pai amoroso de todos os homens? Se este decreto oculto de Deus está por trás da revelação de Jesus Cristo, que significado teria o chamado da fé, ao arrependimento, e a confiança agradecida? Esta doutrina não ameaça todo sentido da mensagem do amor de Deus, e a seriedade da decisão da fé?

Teólogos Reformados freqüentemente fazem uma distinção entre um decreto da Criação e um decreto da Eleição. O mundo existe porque Deus o deseja. O mundo é como é porque Deus o quer assim. Por isso é a expressão, a manifestação, a revelação, de Seu pensamento e vontade. Porque o pensamento, o pensamento de Deus, a sabedoria de Deus, está em sua fundação, nele existe uma ordem que pode ser claramente percebida. Eis o porquê é acessível ao conhecimento, por que tem um aspecto racional lógico. Para usar a linguagem dos antigos, é “compreensível a razão”. Mas porque foi criado pela livre vontade do Deus é “contingente”, não necessário. A idéia da contingentia mundi só veio a ser objeto para a filosofia através do Cristianismo.

Esta é a primeira grande diferença entre a teoria grega do cosmos e a doutrina cristã da Criação. Para o pensador filosófico grego o Cosmos não é apenas acessível à razão mas é racional, porque não foi criado por meio da vontade de Deus, mas porque procede, com infinita necessidade, do Logos Eterno.

A segunda diferença fundamental entre a idéia do Cosmos e a idéia da Criação está associada a uma idéia que à primeira vista parece ser um elemento comum para ambas: o Logos. O Cosmos está permeado pelo Logos, surge o Logos. Este Logos é o último, a pressuposição fundamental do pensamento. É o princípio necessário do pensamento necessário, por isso é o firme apoio para o todo da filosofia. Mas a idéia bíblica da Criação está baseada sobre um Logos diferente, sobre aquela Palavra que “estava no princípio”, sem a qual nada foi criado, e é idêntica com o Filho de Deus.

Nesta relação a verdade que já vimos adquire nova significância, que o mundo, é verdade, foi criado através do Filho, mas não pelo Filho, que foi criado nele e para Ele, mas Ele mesmo jamais é chamado de Criador. Agradou a Deus criar o mundo no Filho, por meio do filho, e para o filho.

A criação do mundo está associada ao decreto da Eleição pelo fato de que o mediador de ambos é o Filho, o Filho a quem Deus “amou antes da fundação do mundo”. Ele é o Filho-Logos, que, como o Encarnado, dá-nos tanto conhecimento da Eleição como o conhecimento de que o mundo foi criado pelo Filho, no Filho e para o Filho. A Criação está subordinada à Eleição, não está coordenada com ela nem superordenada acima dela. O caminho da verdade procede da revelação histórica à Eleição eterna, e só através dessa à Criação. Isto é de importância decisiva para a compreensão da própria Eleição.

A primeira verdade que a doutrina da eleição contém não é a eleição geral, um i”decretum generale”, como a fórmula dos teólogos está expressa em palavras – dubiamente – o qual é então seguido pelo “decretum speciale” da Eleição pessoal. Na bíblia, mais enfaticamente, este não é o sentido no qual a Eleição é mencionada. Pois, esta ordem de idéias está fundamentada na idéia errada da fé. No Novo Testamento fé não está direcionada a algo geral, mas a algo pessoal. Fé é o encontro entre eu, enquanto indivíduo, e Jesus Cristo; não é uma declaração geral, numa doutrina. O indivíduo é por Ele “resgatado do poder das trevas”, da ira de Deus, e é elevado ao plano da filiação, penetrando no background da eternidade; experimenta e ouve a palavra da Eleição eterna. O ser humano enquanto o “indivíduo que é chamado” possui sua relação direta com o Deus que “elege”, e com Sua vontade, da qual procede tudo mais. A verdade da Eleição não é o resultado de uma dedução de uma declaração geral; a fé é, e permanece – mesmo onde seu conteúdo seja a eleição eterna – uma relação direta, imediata, que é o exato oposto de uma teoria geral.

A fé possui este caráter por causa da sua origem. Só isto é o ponto de partida, para isto tudo deve ser submetido, se - em contraste com aquilo que os teólogos chamam de “predestinação” - queremos compreender o que a Bíblia pretende por Eleição.

A Eleição acontece por meio do fato de que o amor de Deus adentra a maldição que a humanidade pecadora trouxe sobre si. Na Cruz de Cristo esse “não obstante” do Amor Divino acontece, de modo que não é o pecador que é aniquilado, mas a maldição do pecado que separa o homem de Deus.

O Novo Testamento não contém um traço daquele todo complexo de problemas associados com a doutrina da Predestinação, lidando especialmente com a liberdade moral e com a responsabilidade. Assim os problemas tormentosos e insolúveis levantados por uma crença errônea – Predestinação – por exemplo, como podem co-existir pré-ordenação e liberdade, Predestinação e responsabilidade? - não só não constitui qualquer problema para o Novo Testamento, mas são considerados como verdades que são unidas natural e inseparavelmente.

Outra má compreensão sobre a doutrina da Eleição que deve ser abordada é sobre a questão: Quem elege e quem é eleito? Todas as vezes a resposta é Jesus Cristo.

Contudo, não podemos aceitar esta visão: que o Sujeito da Eleição Eterna é Jesus Cristo. Onde o Novo Testamento fala da eleição eterna do fiel em Jesus Cristo, o Sujeito da Eleição é somente, e sem exceção, Deus. Jesus Cristo é o Mediador da Eleição, como Ele é mediador da Criação. Nele, através Dele, mas não por Ele somos eleitos. Onde o Filho está, há eleição; mas onde o Filho não está não há eleição. Mas, o Filho só está presente onde há fé, por isso no Novo Testamento os “eleitos”, e apenas eles, são aqueles que crêem. Por causa só a fé é decisão na qual o prêmio é a salvação ou a ruína.

Casualidade - Existem alguns reformadores que entendem o homem como um mero objeto da Graça, e assim a fé simplesmente como obra da Graça divina. A relação pessoal entre Deus e o Homem se tornou uma relação casual: Deus a causa, a fé o efeito. O postulado foi declarado: Aquilo que conhecemos como fé é apenas o efeito da graça divina como causa, sem requerer qualquer adicional, quer a aplicação da idéia causal para a relação pessoal entre “Palavras de Deus e Fé” seja qualquer maneira permissível ou possível.

Esta visão errada da fé, porém, também afetou o entendimento da Eleição. Eleição, então, veio a ser “determinação”. Através da eleição eterna o homem está determinado, sua sorte foi fixada.

O Conceito de Eternidade – Tão devastador em seu efeito como a introdução da idéia da casualidade foi a introdução de uma idéia errada da Eternidade. A Eleição eterna foi entendida teoricamente como o veredicto de Deus pronunciado antes de todas as épocas, e em assim fazendo foi igualmente arrancado da esfera da relação pessoal.

A compreensão bíblica do Tempo está intimamente ligada à compreensão do pessoal. Portanto, é radicalmente diferente do conceito físico e metafísico do Tempo. Por isso, na verdade, Tempo não é simplesmente contrastado com Eternidade; tem em si mesmo uma parte na Eternidade.

Assim, a Eleição eterna é algo totalmente diferente de uma decisão que foi feita sobre nós, há muito tempo. A Eleição eterna é antes aquela que Jesus Cristo torna “Evento” no Templo. A Eleição eterna significa que a Palavra do Amor de deus que agora me alcança em Jesus Cristo, alcança-me fora da Eternidade, que decorre “antes” da minha existência, e minha decisão, como aquilo que a torna possível.

Outra má compreensão que deve ser descartada, é a doutrina de uma “dupla Predestinação”. Junto com a idéia de Eleição, nasceu ali, antes de tudo, a visão de que Aquele que elege distingue certos indivíduos de um dado número, e assim alcançamos a idéia de “seleção”. Mas esta idéia de seleção não deveria ser entendida pretender que Deus deseja estar assim restrito, ao receptador de Sua graça e Sua escolha. O “escolhido” é simplesmente o substrato da liberdade divina.

Com o passar do tempo, esta identidade do “ser eleito” e “fé”, que é óbvia no Novo Testamento, não foi entendida. Quando “fé” e “eleição” foram separadas da esfera “pessoal”; quando “fé” teve que vir a significar declaração doutrinária teórica, desde que fé não mais foi entendida como um encontro “Eu-Tu”, mas como “verdade” na terceira pessoa, esta correlação de eleição e fé foi quebrada, a conditionalis divinus que ela contém foi ignorada, e como substituto ali foi postulado um Numerus teórico. Foi neste ponto que a doutrina manifestou que “alguns” são eleitos desde toda a eternidade, e “outros” não.

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